terça-feira, 16 de dezembro de 2008

“Mês do fim momentâneo da amnésia coletiva”


Há algo de místico no mês de dezembro. Parece que a hipocrisia aflora amável e angelical dos poros dos homens. Todos ficam mansos (ou mais mansos que o habitual) com as vozes roucas e atenciosas, muito diferente da paranóia esquizofrênica a qual vivemos. Não sei não, mas algo de sinistro se esconde neste mês fatídico e confuso. Não é difícil perceber a diferença. Quando dezembro abre as portas e a contagem regressiva para o final do ano se inicia, parece-me que o ar carregado e poluído, tanto de carboníferos quanto de aflições, perde a densidade e a tonalidade deixando-nos mais leves. Pelo menos eu sinto isso. A gigantesca incoerência entre a aparência e essência diminui, ou mesmo se alinha alguns instantes. Instantes estes que nos lembramos dos fatos que esquecemos o resto do ano. Por isso, rotulo o mês final do ano de “Mês do fim momentâneo da amnésia coletiva”. Não culpo a sociedade por essa amnésia mediada como não se pode condenar um homem ao reprimir algo que o aflige. É obvio que a sociedade também tem seu inconsciente onde se podem jogar todos os males sociais e esquecê-los ate a conveniência ou a consciência permitir reprimir. É um sistema de autodefesa que Freud percebeu no homem, e eu acho que se exprime coletivamente de forma espontânea. Entretanto com um efeito colateral diverso e também coletivo: o pleno atuar em prol do bem estar. Obviamente, discordo em relação à banalização das “aparências” sociais, ou teatro da realidade onde um ato de benevolência é feito em função da mascara e aceitação social ou mesmo religiosa e moral. Há, neste ponto, um embaraço coletivo em relação aos erros e descaminhos da civilização. É uma sensação semelhante à sentida ao colocar pessoas que juraram guardar segredo numa mesma sala: pode-se discutir acerca de vários assuntos, mas o segredo paira na mente de todos provocando ansiedade e constrangimento. A ironia é inevitável, pois, grande parte das pessoas, instituições, ong´s etc que mergulham na caridade fazem parte, direta ou indiretamente, dos grupos que provocam o mal estar a qual aquelas lutam. É um ciclo infinito de produção e reprodução da hipocrisia, do mal estar, da amnésia e antídoto momentâneo e bem estar individualista, onde dezembro funciona como divisor de águas entre a lembrança e o esquecimento social.

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